PLURALISMO LÓGICO-JURÍDICO
I) INTRODUÇÃO
A temática objeto de exposição no plano de pesquisa desenvolvido ao observarmos requisito preliminar à admissão ao doutorado da Faculdade de Direito do Largo São Francisco indicava a intenção de se investigar - munidos de repertório afeito, sobretudo, aos campos do Direito Constitucional, da Lógica e Lógica Jurídica - aspectos relacionados aos meandros da razão constitucional, compreendida, prima facie, em sua condição de reflexo de práticas analíticas e dialéticas discursivas no âmbito maior da racionalização constitucional, a englobar tanto os momentos de demonstração e formalização discursivo-constitucionais quanto os de racionalização dialética concernente à materialidade jurídico-contitucional.
Pautados na hipótese de existência de complementaridade entre razão jurídica analítica e razão jurídica dialética, tal como, por exemplo, reconhecidas por Miguel Reale em sua obra O direito como experiência[1], definimos a estrutura do presente trabalho a partir de três núcleos de caráter lógico, lógico-jurídico e lógico-jurídico-constitucional. Tais núcleos, por outro lado, foram referências maiores para a produção de tópicos que sustentam nossas análises e considerações relativas à "razão constitucional", enfocada, em face do leque de conotações variadas da expressão, em consonância com discurso constitucional integrado por elementos conceituais, proposicionais e argumentativos, em nossa monografia com freqüência analisados em relação à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Neste sentido, intentamos nos posicionar frente aos desafios impostos pela complexidade lógico-constitucional versando, de início, a respeito de temas fundamentais da Lógica e da Dialética, genérica e pluralmente concebidas, para que, em estágios posteriores do trabalho, encontrássemos condições adequadas de ambientação jurídica das distinções, definições e teorizações apresentadas.
Ainda acompanhados da hipótese de existência de complementaridade entre razão analítica e dialética, a partir da concepção da Constituição como sistema principiológico-normativo estável e dinâmico, foi possível, em outro item do trabalho, ponderar acerca de designadas acepções de razão que, longe de se contraporem, se completam e se exigem. Neste caminho, a complementaridade entre razão analítica e razão dialética foi problematizada em face dos desdobramentos de uma discursividade constitucional que, de acordo com certa perspectiva semiótica, não nega as dimensões sintáticas, semânticas e pragmáticas do discurso.
De maneira ilustrativa, notemos nesta Introdução que as normas e princípios constitucionais permitem análise teórica em que o isolamento de suas estruturas básicas é operação que remete ao preenchimento das formas reveladas por substratos adstritos à atribuição de sentidos a estas normas e indissociáveis de devires históricos, fáticos e valorativos concretos[2]. Na esteira destas observações, as chamadas "Lógicas do Concreto" que vinculam-se à Dialética, palavra versátil que reúne, em sua polissemia, as ricas formulações teóricas de nomes como Theodor Viehweg, Luis Recasens Siches e Chaïm Perelman, contribuíram para o embasamento do exercício de leitura da trama de significantes e significados que é o discurso constitucional, valorizando-se a analítica jurídica, frisemos, em sua condição de outra face de moeda submetida em nossa monografia a pelo menos aos aportes da multifacetada lógica deôntica, visando-se a compreensão das estruturas normativo-constitucionais.
Por outro lado, é preciso salientar, desde o início, que o nosso trabalho apresenta um propósito modesto tendo em vista a possibilidade de se estudar e pesquisar temas como razão e razão jurídica por meio de perspectivas ontológicas e epistemológicas mais densas e de voltagem especulativa maior. De fato, nossa intenção foi a de incursionar na rica seara do discurso constitucional para colocar em evidência certos aspectos conceituais, proposicionais e argumentativos, elementos estes que, em face do sistema constitucional que integram, comporiam as dimensões de uma Lógica do discurso constitucional, a partir de referências calcadas, em grande parte, no texto e na compreensão da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Buscamos, de outra feita, dar tratamento ao assunto que afastasse, na medida do possível, os tecnicismos da linguagem lógica, por entendermos que, para o desenvolvimento deste trabalho, importava mais elegermos a Lógica e a Semiótica a serviço de uma compreensão acessível da discursividade constitucional, para que não incorrêssemos em hermetismo nocivo.
II) AS LÓGICAS E O DIREITO
II.1) Considerações Iniciais
Inauguramos este trabalho preocupados em expor algumas problemáticas afeitas às relações entre Lógica e Direito com a intenção de delimitar um âmbito de análise da discursividade constitucional do qual iremos extrair os elementos conceituais, proposicionais e argumentativos que, teórica e pragmaticamente estudados em estágios posteriores do trabalho, revelarão normatividade dotada, entre outros atributos, de particularidades deônticas, bem como configurações lógico-concretas de características peculiares, como as que percebemos no campo de atuação decisória em sede de jurisdição constitucional. Neste último caso, a problemática acerca da melhor solução, v.g. , em caso concreto que indique colisão entre direitos fundamentais, funda-se em substrato argumentativo que, de acordo com Lógicas da razoabilidade, deve ser fiel ao mundo metaprocessual e às exigências do bem comum, em teleologia voltada à Justiça.
Conforme fizemos notar na Introdução, interessa-nos inquirir acerca da complexidade da razão constitucional, concebida, em primeiro plano, de acordo com um discurso integrado por conceitos, termos, juízos, proposições, raciocínios e argumentos suscetíveis à leitura lógico-jurídica. Neste sentido, a adesão a certas definições de Lógica Jurídica foi crucial para que tivéssemos condições de esboçar, mesmo que de maneira precária e inicial, os elementos conformadores da logicidade jurídico-constitucional, sem deixar de fazer notar que, na seara que ingressamos, muitos dos questionamentos sobre os quais nos debruçamos poderiam receber soluções diversas das nossas. Incide nesta afirmação a constatação de que o Direito Constitucional sofre o influxo de ideologias[3]diversas que, de modo inevitável, interferem na elaboração, interpretação, aplicação e estudo do Direito Constitucional.
II.2) Pluralismo Lógico
A palavra “lógica”[4], como podemos de imediato observar, apresenta dimensão plurívoca, face sua utilização nas mais diversas acepções. Contando com história curiosa, a Lógica – aqui referida à espécie “Clássica” - foi sistematizada por Aristóteles (384-322 a.C.)[5], permanecendo praticamente inalterada durante dois milênios[6]. De acordo com os limites traçados por este pensador, seu objetivo residia no estudo da inferência válida - por vezes incluindo também a inferência dita indutiva, não passível de ser considerada válida, mas dotada de caráter verossímil - de uma perspectiva formal. Na inferência válida, de premissas verdadeiras chega-se, sempre, a conclusões verdadeiras. As regras da Lógica, devidamente utilizadas, assegurariam isso. Portanto, também se sustentava que ela era devotada ao raciocínio formalmente correto.[7]
Embora reconheçamos a atualidade, em diversos aspectos, da Lógica tal como sistematizada pelo filósofo estagirita[8], não é possível deixar de reconhecer que a partir da segunda metade do século 19 e durante todo o século 20 a história duplamente milenar da Lógica principiou a mudar[9]. Com efeito, sofreu a Lógica transformações radicais, relacionadas ao fato de ter deixado de ser, tão-somente, a ciência das formas válidas de raciocínio, muito embora a teoria da argumentação, em seus vários matizes, ainda pertença ao campo de suas aplicações. Estas alterações, impeditivas de uma concepção que retrate a Lógica apenas designando um de seus tipos, merecem, por oportuno, ser correlacionadas às seguintes afirmações, extraídas de estudo voltado aos instigantes posicionamentos teóricos de Luiz Sérgio Coelho de Sampaio, importante intelectual brasileiro[10]:
“Predomina hoje a idéia de que a lógica é a ciência que trata de como tirar conclusões processualmente corretas a partir de certas proposições, chamadas premissas, pouco importando que estas sejam verdadeiras ou não. O relevante aí seria como processar raciocínios de modo correto, como resguardar a hereditariedade da verdade pressuposta, atendo-se apenas à sua forma e não ao conteúdo. Em termos mais técnicos pode-se dizer que a lógica (formal) é o ‘estudo da inferência válida em linguagem artificial precisamente formulada’. Existe e justifica-se tal tipo de atividade, e chamá-la lógica também encontra o devido respaldo nos costumes, desde Aristóteles à totalidade dos lógicos matemáticos de hoje. Entretanto, são também muitos, teremos oportunidade de ver, os usos respeitáveis do termo lógica que não cabem nesta conceituação estreita. O critério adotado por Sampaio foi o de tomar por lógica tudo que alguma vez foi tido como tal pela tradição filosófica – deixando de fora, entrementes, a significação genérica da linguagem comum que chama ‘lógica’ de alguma coisa, àquilo que constitui o seu fundamento, essência, qualidade básica, motivação, causa principal etc. É certo que o critério só é aceitável se se chegar finalmente a um conjunto relativamente homogêneo e completo de exemplares lógicos. Com base neste critério, a lógica passa a ser conceituada como um saber que teoriza sobre qualquer tipo essencial de pensamento, fazendo-o do modo mais sistematizado possível. Assim, tantas serão as lógicas quanto forem os modos essenciais e efetivos de pensar. Portanto, existiriam diversas lógicas e aquela que se importa apenas com a forma – lógica clássica ou megárico-aristotélica – é apenas uma entre elas”. (grifo nosso)
À defesa das palavras grifadas, somemos a constatação de que inexiste uma Lógica apenas, de tal forma que distintos sistemas lógicos podem ser úteis na abordagem de diferentes aspectos dos vários campos do conhecimento, inclusive jurídico. Há que se aceitar presentemente uma forma de pluralismo lógico, no qual vários sistemas (mesmo que incompatíveis) convivem, cada um se prestando ao esclarecimento ou fundamentação de um determinado conceito ou área do saber, a tal ponto de afirmarmos a existência de diversas Lógicas que versam sobre determinadas estruturas abstratas coexistindo com variadas “Lógicas Materiais”[11]. Exemplifiquemos: em certas questões de matemática qualificada de construtiva, deve-se recorrer a uma Lógica divergente da Clássica, ou seja, à chamada Lógica Intuicionista. Em outros contextos, como os da mecânica quântica, é conveniente lançar mão de uma das lógicas denominadas Quânticas. Em tópicos de química e de genética, tem-se apelado para o cálculo lamba e a Lógica Combinatória, que não pertencem, propriamente, à classe das modalidades clássicas de Lógica.
Em síntese, há Lógicas variadas que encontram nos dias de hoje aplicações em praticamente todos os domínios do saber, incluindo o Direito[12]. A este respeito, Miguel Reale, emExperiência e cultura, desenvolve elucidativas observações que ao mesmo tempo em que valorizam a Lógica aristotélica, aceitam o pluralismo lógico em tela, como segue:
“(...) ao invés de considerar a chamada “Lógica aristotélica” um simples documento histórico, penso ser mais certo considerá-la o primeiro e necessário momento de um processo de formalização do pensamento, do qual a Lógica matemática contemporânea, sob todas as suas feições e modalidades, é expressão última, mas não definitiva. Como muitas vezes ocorre no mundo da cultura, o que pode e deve ser visto como ‘momento’ inicial ou intermediário de uma progressão, nem por isso e só por isso perde validade, deixando de significar algo de positivo também no ‘momento’ atual. É uma pretensiosa ótica evolucionista, bem típica da época oitocentista, que leva a apresentar o momento derradeiro, na escala serial dos eventos históricos, como se constituísse o ‘superamento’ dos anteriores. No que tange à ‘Lógica aristotélica’, por exemplo, ela continua a ser uma das possíveis expressões do pensamento lógico, o qual, em última análise, é o pensamento em sua imanente conseqüencialidade formal, razão pela qual haverá tantas ‘Lógicas’ quantas forem as formas possíveis do desenvolvimento expressivo dessa ‘conseqüencialidade’”. (grifo nosso)
Por seu turno, André Franco Montoro tece esclarecimentos úteis na obra Direito, cidadania e justiça[13], sintetizando da seguinte maneira o que deve ser entendido por “Lógica”:
“A palavra "Lógica" é susceptível de duas significações principais: 1. Lógica estritamente formal; 2. Lógica, como instrumento das ciências, incluindo a Lógica formal e a material. Em sentido estrito, Lógica é apenas a ciência das estruturas formais do pensamento. "Por Lógica deve entender-se sempre Lógica formal", afirma Klug, reforçando sua asserção com a conhecida expressão radical de Carnap: "Lógica não formal é um contradictio in adjeto". "Lógica,tout court, é Lógica formal", diz Lourival Vilanova. Mas, ao lado desse conceito restrito, a história da Ciência e da Filosofia registra outras concepções. Em sentido mais amplo, a Lógica não se limita ao estudo de relações formais, mas se estende à matéria do conhecimento e outras relações e processos que integram o instrumental básico e racional utilizado pelas ciências. Abrange, nesse sentido, a Lógica formal e material. E constitui a base da metodologia de cada ciência”.
Para os fins de nosso trabalho, interessa-nos o emprego da palavra “lógica” em sentido plural, de tal maneira a abranger, sob os eixos da “razão analítica” e da “razão dialética”, Lógicas diversas. De modo distinto, Analítica e Dialética estarão, no caso de nossa monografia, assimiladas pelos setores da Lógica Formal e da Lógica Material, divisões do saber lógico que serão paradigmáticas em ulteriores estágios deste texto. Porém, antes de expormos algumas características destas Lógicas, convém tecer outros esclarecimentos.
A distinção entre Lógica Formal e Lógica Material ecoa, ao menos no século XX, concepções escolásticas acerca da Lógica que encontraram em Jacques Maritain um de seus maiores divulgadores no século passado. No entanto, neste trabalho não identificamos a Lógica Material à Metodologia tão-somente.
Devemos esclarecer: os mais antigos tratados de Lógica, seguindo uma tradição medieval, dividiam aquilo que eles definiam como “a arte de raciocinar corretamente” em dois grupos: Lógica Menor ou Formal e Lógica Maior ou Material, cujo conjunto foi distribuído nos setores do que designavam por Lógica Antiga e Lógica Nova.[14]De acordo com essa perspectiva, a Lógica Menor estudaria simplesmente a forma dos argumentos, procurando determinar a validade ou invalidade dos mesmos. A Lógica Maior, por outro lado, se ocuparia da “matéria”, ou seja, do conteúdo dos argumentos. Esta sim procuraria determinar a verdade ou falsidade das proposições contidas em um argumento. O principal objeto da Lógica Maior seria a argumentação como instrumento de saber, de busca da verdade (real) e, por esse fato, recebeu o nome de Metodologia:[15]
“Sendo a Lógica a arte que nos permite proceder com ordem, facilmente e sem erro no próprio ato da razão, precisa ocupar-se tanto da forma como da matéria de nossos raciocínios. Daí sua divisão em duas partes: Lógica Menor ou Lógica “formal” (Lógica Minor) e Lógica Maior ou Lógica “material” (Lógica Major). A Lógica Menor estuda as condições formais da ciência; analisa ou “resolve”, como se diz, o raciocínio nas leis de que ele depende do ponto de vista de sua forma ou de sua disposição; ela ensina as regras a se seguir para que o raciocínio seja correto ou bem construído, e para que a conclusão seja boa relativamente à disposição dos materiais. Um espírito que não se conforma com estas leis formais do pensamento é um espírito inconseqüente. E, como diz a Lógica de Port-Royal, um espírito inconseqüente “não tem garras” para reter a verdade. A Lógica Maior estuda as condições materiais da ciência; ela analisa ou resolve o raciocínio nos princípios de que ele depende quanto à sua matéria ou ao seu conteúdo; ela mostra a que condições devem corresponder os materiais do raciocínio para que obtenha uma conclusão firme sob todos os aspectos – não somente quanto à forma, mas também quanto à matéria, isto é, uma conclusão verdadeira e certa.”
Embora a distinção de Maritain seja adequada, no entanto devemos completá-la, à luz da Semiótica e das chamadas “Lógicas do Concreto” que, em ambiente jurídico, afastam-se dos pressupostos da Lógica Formal. Neste sentido, a relação que Miguel Reale estabelece entre Lógica Material e Dialética e que iremos registrar mais à frente faz sentido se, pautados ao menos na definição de Dialética como parte argumentativa da Retórica ou arte de persuadir pelo discurso, reconhecermos que é a Lógica Material a Lógica aplicada, ou seja, lógica que se mistura a seu objeto e que dele não se distancia, comprometendo-se com a pesquisa do meio e das condições que rodeiam o discurso para se produzir:[16]
“Diferentemente da lógica formal, que se distancia de qualquer aplicação, que se afasta da matéria e da substância, para reduzir-se a formas e estruturas simbólicas mínimas do pensamento, a lógica material imiscui-se ao seu objeto, recebendo dele todas as influências e características necessárias para com ele interagir de modo eficiente e adequado.”
Elenquemos, pela importância da distinção entre os campos lógico-material e lógico-formal, certas características tradicionalmente relacionadas a estes dois setores da Lógica.[17], não-excludentes e passíveis de recepcionar diferentes tipos de Lógica.
II.2.1) Algumas Características da Lógica Formal
Sem pretender esgotar o rol de atributos pertinentes à Lógica Formal, indicaremos a seguir, para melhor compreensão do assunto, as características que com maior freqüência estão relacionadas a este âmbito. [18]
II.2.1.1) Abstrata
É abstrata por prescindir do objeto ou da matéria para afirmar-se sua validade ou realidade, distanciando-se do que é concreto para fixar-se nas regras racionais mais abstratas e puras, “incólumes de contaminação dos fatos, dos sentimentos, dos acontecimentos, das razões concretas, econômicas, políticas e irracionais que conduzem e movimentam a faticidade humana”[19]. De fato, é possível, artificialmente, em comportamento não-natural, não-cotidiano, desinteressado dos resultados práticos para a vida pessoal ou da coletividade, secionar o fato íntegro, ou seja fazer incidir a investigação
“sobre o sujeito cognoscente (examinando as inter-relações dos atos de querer, de sentir ou de pensar), ou incidir o estudo sobre este ou aquele ato, ou interessar-me pelo dado-de-fato, que está ali, no mundo exterior, ou aqui, em meu mundo íntimo, ou verter-se sobre a linguagem (fazendo psicologia da linguagem, lingüística geral ou especial, sociologia da linguagem, estética da linguagem, etc.), ou, finalmente, converter a proposição (na terminologia clássica, juízo, pensamento) em foco de minhas indagações”. [20]
Para Vilanova, esse secionamento da proposição diante de seus fatores acompanhantes corresponde a um isolamento temático. Faz-se tema de conhecimento somente o proposicional do conhecimento, prescindindo-se da vertente natural da proposição para o seu correlato objetivo (situação objetiva):
“Corta-se o vínculo com o sujeito que a capta ou constrói; deixa-se de parte a linguagem, que é seu suporte físico e ponto de encontro dos diversos sujeitos participantes na comunidade do discurso. Assim, o mesmo dado, o conhecimento, é objeto material que se diversifica em objetos formais, correspondentes a cada isolamento temático. Esse prescindir de algumas, ou de todas, menos uma, das partes de um todo importa numa operação – a abstração.” (grifo nosso)
II.2.1.2) Voltada à Validade do Raciocínio
Esta característica deixa entrever que sua maior missão é detectar o que há de perene na estrutura da proposição, independentemente de sua constituição material. A Lógica Formal cuida da relação (ou ordem) entre as premissas do argumento para verificar se ela (a relação) é ou não correta do ponto de vista puramente formal. A correção dá-nos a validade do argumento; a incorreção, a invalidade do argumento. Leônidas Hegenberg, um dos maiores lógicos brasileiros, elucida esta característica nos seguintes termos[21]:
“A propósito da validade, ou legitimidade de um argumento, cabem desde já algumas advertências. Em qualquer argumento, dois são os pontos de relevo: 1) a verdade (ou falsidade das premissas) e 2) o tipo de conexão que se estabelece entre as premissas e a conclusão. A verdade das asserções que comparecem em um argumento é fixada por especialistas nos assuntos de que trata o argumento. Se um argumento encerra, digamos, a asserção A colchicina interrompe a divisão celular da cebola então um biologista será convidado a esclarecer-nos acerca da verdade da asserção. Se o argumento contém asserções como O êxodo rural se deve ao desejo de obter melhores salários nas áreas urbanas ouToda função diferenciável é contínua, então cientistas sociais ou matemáticos serão chamados para assegurar-nos de que as afirmações são verdadeiras. A verdade das asserções, no entanto, não tem maior importância para a legitimidade de um argumento – que é estabelecida pelo estudioso da lógica. O lógico tem por objetivo estudar critérios de legitimidade dos argumentos, sem considerar a verdade ou falsidade das asserções que o compõem. Em outras palavras. Em outras palavras, o lógico preocupa-se com o segundo dos dois pontos de relevo mencionados acima.”
II.2.1.3) Caráter Analítico
A Lógica Formal é analítica de acordo com a seguinte acepção: permite a análise e decomposição dos preceitos, dos argumentos, das proposições, para o alcance de seus resultados científicos. Em outra acepção, é analítica por não produzir, pela via da derivação, conhecimento novo.
II.2.1.4) Simbólica
No sentido de que não somente retrata e convive com os modos simbólicos de se externar idéias, pensamentos e sentidos, mas sobretudo porque constrói suas respostas teóricas a partir de sistemas formalizados e simbólicos, de alto grau de complexidade técnica e relacional, galgando a semelhança dos sistemas matemáticos abstratos onde se comunicam os símbolos entre si num emaranhado formular e rigorosamente engrenado.[22]
II.2.1.5) Formal
Toma distância da matéria para compor-se de formas suficientemente distanciadas de qualquer sentido concreto de modo que se permita a prova científica da correção ou da incorreção do raciocínio plasmado na fórmula lógica. Assim, se em vez de falar em “livro verde”, “este livro é verde”, “se todo o livro é verde e este objeto é um livro, então ele é verde”, substituímos os termos de significação determinada por termos quaisquer, sem significação específica, então estaremos desconsiderando os objetos e propriedades-de-objetos específicas.
Diz-se, com naturalidade, que a Lógica Formal se preocupa com a forma – não com a matéria das proposições e dos argumentos. Não é simples, porém, deixar clara a distinção entre matéria e forma. Nesse caminho, os exemplos talvez auxiliem. Seja o seguinte argumento:
Se chove, as senhoras levam sombrinhas; está chovendo; logo, as senhoras levam sombrinhas.
Análise do argumento revela que é legítimo porque tem a forma “Se A, então B; ora, A; logo B” e não importa quais proposições ocupem os lugares marcados pelas letras ‘A’ e ‘B’. A Lógica Formal está voltada para a análise da legitimidade de argumentos que, à semelhança desse, só dependam da forma, ou seja, não dependam dos temas a que as proposições possam aludir. De acordo com a ilustração, percebe-se que a forma de uma proposição é obtida mediante substituição das constantes (e.g., chuva, senhoras, sombrinhas) por variáveis livres.[23]
II.2.1.6) Precisão da Linguagem Formal
Vertendo esforços para sua universalidade em meio às ciências e às culturas, a Lógica Formal pauta-se no emprego de linguagem precisa, livre das imprecisões da linguagem comum ou cotidiana.
“Não falar em particular sobre nada do mundo de objetos (objetos ideais e objetos reais, para dividirmos exaustivamente os possíveis objetos), não dizer nada específico sobre nada, mas tão-só sobre algo em geral, sobre o objeto-em-geral, importa em usar uma linguagem. Se um sistema de símbolos nenhuma referência faz, mesmo sobre a coisa-em-geral, o ser-objeto em geral (qualquer), esse sistema não é linguagem. A lógica, eliminando as linguagens naturais, os idiomas como formações culturais variáveis, tem de se valer da linguagem. Agora, a linguagem apta para apreender as formas lógicas.”[24]
Esta linguagem apta para apreender as formas lógicas, por mais abstrata que se apresente, é uma linguagem:
“Retire-se dos símbolos qualquer significação, o que resta são coisas físicas (sons, letras, ou fonemas e grafemas, como conseqüências acústicas ou óticas, entes do universo físico). Ora, parece que se elimino a referência a objetos, se reduzo as orações e palavras da linguagem natural a partículas formais operatórias e a variáveis, nada resta senão um algorítimo sem significação qualquer. Mas, significações há. Acontece isto: suprimimos significações concretas, referentes a livro, a uma qualidade cromática, a Sócrates, a propriedade de ser mortal, etc., mas retemos tipos de significação, consoante seu papel sintático:ser termo-sujeito, termo-predicado, quantificador (todo, algum),operador ou functor (“e”, “ou”, “se...então”) .”[25]
Lourival Vilanova está, na hipótese da citação acima, demonstrando que as significações entram na forma lógica como categorias sintáticas, ou seja: pela posição ou tópica que ocupam na estrutura formal (no interior da proposição ou num conjunto de proposições). Umas podem ser termo-sujeito, outras, termo-predicado; uma têm significação por si mesmas, outras requerem outras que as completem. Deste modo, busca-se uma linguagem que tenda ao universal ao evitar indeterminações, vaguezas, particularidades idiomáticas atinentes às línguas mundiais e outros elementos que poderiam comprometer o caráter depurado de uma notação que, no âmbito de Ciências, como a Informática, permitem operacionalidades diversas.
II.2.1.7) Dedutivista
Despreocupando-se com as inclusões próprias do pensamento indutivo, que extrai da realidade concreta e empírica os parâmetros para sua construção e delineamento, a Lógica Formal encontra na dedução uma de suas marcas. Porém, todos os tipos de argumentos passíveis de ser considerados válidos (como deduções) e argumentos que não se enquadram no modelo canônico de dedução (como induções) podem receber tratamento formal, qual seja: análise de suas estruturas independentemente dos conteúdos relacionados às formas.
A dedução, que na história da Lógica vincula-se, em face dos estudos de Aristóteles, ao silogismo, mas desdobra-se em deduções que ultrapassam as três premissas, apresenta caráter analítico pelo fato de prover da forma como se dispõem as premissas, desvinculando-se da matéria ou conteúdo destas. Neste tocante, Alaôr Caffé Alves ensina[26]:
“A conclusão pode ser tirada com absoluta certeza, numa dedução, precisamente porque existe a possibilidade da disposição correta das premissas no argumento dedutivo correspondente – com o posicionamento adequado dos conceitos sujeito e predicado em cada uma de suas premissas. Na verdade, podemos afirmar que o argumento dedutivo é analítico[27], porque, se ele for correto, sua conclusão não diz nada mais do que aquilo que foi dito nas premissas. Melhor dizendo, as premissas, uma vez estabelecidas corretamente, já contém a conclusão.”
II.2.1.8) Universal
Por apresentar tendência à abstração pura capaz de unificar e reduzir a raízes comuns problemas empiricamente tratados como diversos. Neste sentido, a pretensão à universalidade da Lógica Formal é marcada pelo caráter de adesão às formas do pensamento, seus princípios e suas leis não dependem do tempo e do lugar, nem das pessoas e circunstâncias, mas são universais, necessárias e imutáveis como a própria razão.
II.2.1.9) A priori
Explicando fenômenos e fatos discursivos, acontecimentos de linguagem a partir de leis universais preexistentes e universais, intemporais e incondicionadas, qual a lei do terceiro excluído.
II.2.1.10) Visa Apurar a Verdade Formal
A Lógica Formal está comprometida com a busca e demonstração de verdade formal e não material. A verdade formal (ou “verdade lógica”, se no caso estivermos restritos ao âmbito da Lógica Formal) é aquela que pode ser determinada por meios exclusivamente lógico-formais. Uma verdade lógica estrita pode ser determinada recorrendo exclusivamente à sua forma lógica: é o caso de “Se Sócrates é casado, é casado”, cuja forma lógica é Fn → Fn.
II.2.2) Características da Lógica Material [28]
De outra banda, a Lógica Material possui, entre outras, as seguintes características a serem exploradas adiante.
II.2.2.1) Concreta
É concreta por não verificar na abstração e na universalidade pura do lógico sua esfera de atuação e teorização. Neste sentido, a concretude repercute, em seara jurídica, nas denominadas “Lógicas do Concreto”, as quais teremos oportunidade de abordar de maneira detida no tópico direcionado à Lógica Jurídica.
II.2.2.2) Pragmática
Por possuir o menor apego possível à sintática, visando atingir seus interlocutores e a estudar os interlocutores em atuação e desempenho discursivo. A pragmática, como uma das dimensões da Semiótica de acordo com o modelo preconizado por Charles Morris, objetiva apoiar a relação e a comunicação entre os indivíduos através de signos, que se instalam entre o emissor e aquele ao qual a mensagem está sendo dirigida, isto é, o receptor, que tem a medida da compreensão da mensagem, quando a decodifica, levando-se em conta o conjunto de signos do qual receptor da mensagem é conhecedor.
Determinados tipos de expressões lingüísticas estão relacionados a certos tipos de enunciação, como as declarativas, as interrogativas e as afirmações, das quais o uso constante se faz presente nos chamados atos comunicativos jurídicos, como, por exemplo, as peças processuais. Portanto, ao se ressaltar o valor dos aspectos pragmáticos da linguagem jurídica, evidencia-se como fundamento garantir que, diante de textos normativos dotados, por exemplo, de imprecisão, é mister usar o raciocínio, a bem do bom emprego das normas jurídicas. As interpretações procedem da argumentação, e não do simples ato de leitura, tendo como principal foco a articulação de um discurso – oral ou escrito –, a fim de persuadir o receptor da mensagem a aderir à interpretação que se quer dar. Verifica-se, então, a necessidade de aliar à linguagem jurídica a noção de referência e dêixis, cuja propriedade maiorrefere-se à estrutura e a interpretação dos enunciados em relação à hora, ao lugar de suaocorrência, à identidade do falante e do interlocutor, aos objetos e eventos que se processam em uma enunciação.
A Lógica Material, neste sentido, evidencia os aspectos pragmáticos da linguagem, pois os discursos pretendem sobressair a uma determinada interpretação das normas jurídicas, que não possuem apenas um uso ou uma função informativa, que por vezes interferem na decisão a ser tomada, e também porque envolvem não apenas aspectos racionais, mas também emocionais. Conseqüentemente, a Retórica assume, nesse contexto, seu lugar de destaque enquanto processo de argumentação cuja finalidade é a persuasão dos receptores da mensagem jurídica, afastando-se a concepção de texto como um produto pronto e acabado, que independe do contexto e funcionamento discursivo.
II.2.2.3) Instrumental
Por fornecer condições e técnicas habilitantes para o uso aplicado do referencial teórico em experiências quotidianas de discurso contextual, inclusive jurídico. Em relação ao Direito, a Lógica Material, vertida que está para apráxis do discurso jurídico, para a efetivação da comunicação intersubjetiva, engajada que está em fatos e situações contextuais de decisão jurídica, constrangida que está por necessidades externas impostas pelo ordenamento jurídico [29]
“encampa uma discussão sobre os diversos tipos de argumentos (a pari ratione, a contrario sensu, a fortiori ratione, a maiore ad minus, a generali sensu, ratione legis atricta, pro subjecta matéria, ab auctoritate, a rubrica...). Apesar de prever esta discussão sobre os tipos de argumentos, seu uso, seu contexto, como ferramental para a argumentação e o convencimento, não se resume a uma mera menção argumentativa ou mesmo descritiva dos argumentos em espécie. Sua finalidade científica fá-la transcender este papel meramente descritivo.”
II.2.2.4) Casuística e Exemplificativa
Por apostar nas figuras e nos dados empíricos, para deles poder extrair os modelos e as caricaturas de sua modular concepção lógica.
II.2.2.5) Indutivista
Espraiando-se pela dimensão do que é comum a todos, desde a concretude dos fatos até a abstração lógica. De acordo com os referenciais da Lógica Clássica, a indução não era considerada um tipo de argumento passível de ser enquadrado como logicamente válido (para Aristóteles, tão-somente a dedução seria passível de receber o atributo da correção lógica. No entanto, a concepção de Lógica por nós adotada no trabalho não hierarquiza os tipos de argumentos (até porque, ao voltarmos os olhos para a experiência lógico-discursiva do Direito, notamos o largo emprego de induções e, entra elas, das denominadas analogias, que são espécies de induções, de freqüente utilização inclusive no âmbito do discurso constitucional).
Outrossim, as inferências indutivas oferecem condições adequadas para ampliar o conhecimento humano, pois elas, em última instância, baseiam-se na experiência e não somente na razão. A inferência indutiva, expressada em argumento indutivo, apresenta uma conclusão que vai além das premissas que a apóiam, diferentemente da inferência dedutiva, cuja conclusão não pode ultrapassar a força das premissas. Outrossim, não podemos deixar de notar que as diversas Lógicas Materiais validam tipos de argumentos, além da indução, que não são considerados válidos pela perspectiva da Lógica Formal mas que ganhamstatusargumentativo no contexto, por exemplo, da Nova Retórica de Chaïm Perelman, que sistematiza uma gama de raciocínios de força retórica, tais como o argumento a fortiori, entre outros a serem registrados em nosso trabalho.
II.2.2.6) Argumentativa[30]
Uma vez que ressalta a importância dos modos do argumentar como parte importante do arsenal de constituição do raciocínio, inclusive jurídico. Tal característica vincula-se à distinção habitual entre Teoria da Demonstração e Teoria da Argumentação. Esta última teoria refere-se ao caráter prático-retórico dos discursos, considerando-os como unidades pragmáticas destinadas a persuadir o auditório a se inclinar para as conclusões que o orador quer fazer valer, conforme os seus propósitos:
“Neste caso, o objetivo é antes de tudo fazer inclinar a vontade e não chegar a verdade. ALógica, enquanto estudo da estrutura proposicional, sem colocar em relevo a questão material da verdade das proposições (premissas e conclusão), serve tanto para a demonstração quanto para a argumentação tal como esta é vista pela Teoria da Argumentação. Até aqui, na maior parte das vezes, temos denominado “argumento” (na verdade são estruturas argumentativas) ao conjunto de estruturas proposicionais (premissas e conclusão), vistas somente sob o ângulo formal, isto é, desconsiderando os seus conteúdos e, por via de conseqüência, suas verdades. Sob este aspecto, portanto, a demonstração difere da argumentação, na medida em que aquela (a demonstração) compreende a argumentação correta e mais a verdade das premissas, e esta última, a argumentação, compreende apenas a forma correta das premissas em ordem a uma conclusão provável ou razoável, sem considerar a verdade mesma das proposições. Entretanto, segundo a Teoria da Argumentação, também seriam considerados, nos argumentos, os conteúdos das proposições (premissas e conclusão).” [31]
II.2.2.7) A posteriori
Não se definindo senão a partir de situações empíricas em que, engajados os sujeitos de discurso, possa haver a opção dos modos de ação lingüística em face de possíveis expectativas de comunicação.
II.3) LÓGICA FORMAL, LÓGICA MATERIAL E SEMIÓTICA
Por outro lado, não devemos deixar de notar que a ideologização da Lógica acabou por gerar uma intolerância entre analíticos e dialéticos, entre defensores da Lógica Formal como sendo a única passível de ser considerada propriamente uma Lógica e pensadores lógico-materialistas que criticam a analítica principalmente por abdicar da temporalidade[32], tornando-a, segundo seus críticos - normalmente simpáticos ao materialismo dialético - um instrumento negador da transformação e da mudança, destacadamente econômica.
As palavras de Lourival Vilanova[33] são bastante esclarecedoras neste sentido, constituindo premissas para os argumentos que, no decorrer do trabalho, irão sustentar a complementaridade entre estas lógicas:
“Se a lógica é necessariamente formal, descabe, em sentido rigoroso, falar-se de lógica material. O material de que se vale a lógica é, ainda, formal: um termo (termo-sujeito, termo predicado) é material relativamente à forma de uma proposição, que o tem como constituinte seu. Uma proposição é matéria relativamente a forma-de-argumento em que entra como componente: um silogismo consta de proposições e estas de termos. O formal reside, no silogismo, na interconexão entre as proposições. O silogismo é umaestrutura sintática, como é estrutura sintática cada uma das proposições que o compõem. As proposições se interligam e compõem uma estrutura sintática maior, que é aforma-de-sistema, como forma-de-ciência. No campo da lógica, tudo é formal. Mas, esse regresso às formas lógicas, independentemente dos conteúdos de universos não-lógicos (da física, da biologia, etc.) é uma ascese analítica, uma renúncia momentânea e metodológica ao mundo existencial,ponto de partida de todo conhecimento. O conhecimento formal importa numa atitude que suspende o interesse pelos objetos-do-mundo, interesse que é retomado porque imerso no mundo existencial onde está o sujeito cognoscente e prático. Daí a razãoporque se procura na lógica o vínculo com as coisas mesmas. Todavia, essa atitude é a de uma utilização do logos em vista do seu rendimento para penetrar no conhecimento das coisas. A lógica se converte, nessa atitude, num instrumento, i.é., num meio para alcançar um fim, teórico-material ou prático, e corresponde à necessidade vital de o homem manipular as coisas. Pois bem. A lógica material é a lógica em sua função pragmática e em sua função semântica. Todo sistema de símbolos – e a lógica, como qualquer ciência, consta de um sistema de símbolos de linguagem – pode ser considerado, conforme a teoria de Charles Morris, sob três ângulos: I) as relações dos símbolos entre si; II) a relação dos símbolos com os objetos simbolizados; III) a relação dos símbolos com os que os usam.” (grifo nosso)
O trecho acima transcrito indica uma vinculação entre a Lógica e a Semiótica de grande importância para o nosso trabalho. Embora não exista apenas uma Semiótica, nos socorreremos da concepção e do tratamento dado à esta ciência, pioneiramente, por Charles Morris, reconhecendo as contribuições de outros pensadores, tal como Carnap. Importante consignar que a Lógica Formal é a Lógica em sua função sintática e a Lógica Material – para aderirmos à concepção de Vilanova – é a Lógica em sua função semântica e pragmática.
II.3.1) Sintaxe, Semântica e Pragmática [34]
A palavra “semiótica”, assim como outras fundamentais em nosso texto, apresenta polissemia que a remete a concepções teóricas marcadamente distintas. Ao nos comprometermos em nossa tese com uma análise lógico-semiótica do discurso constitucional, assumimos certa diretriz semiótica que nos parece mais adequada para a elucidação de aspectos relativos às dimensões sintáticas, semânticas e pragmáticas de elementos como conceitos, proposições e argumentos constitucionais. É desta diretriz que trataremos nas próximas linhas.
A divisão do estudo da linguagem em sintaxe, semântica e pragmática tem sua origem no textoFundamentos da teoria dos signos [35] do filósofo norte-americano Charles William Morris, da Universidade de Chicago. O texto serve de introdução à Enciclopédia Internacional de Ciência Unificada, da qual Morris foi um dos organizadores, junto com os membros do Círculo de Viena, Otto Neurath e Rudolf Carnap. Este projeto, que visava formular os fundamentos epistemológicos e metodológicos de uma ciência unificada, fora iniciada antes, ainda na Europa, por Neurath. O filósofo alemão Rudolf Carnap foi para os Estados Unidos após a ascensão do nazismo, entre 1936 e 1952 e lecionou na Universidade de Chicago, onde trabalhou com Morris. Posteriormente, Carnap retomou e desenvolveu em suas obras a distinção entre sintaxe, semântica e pragmática como áreas de estudo da linguagem.
Morris foi também influenciado pelo filósofo americano Charles Sanders Peirce, que pode ser considerado um dos precursores da pragmática. Em sua discussão sobre a natureza e a função dos signos, Peirce destaca a importância do uso, enfatizando o papel do interpretante na relação entre o signo e aquilo que este designa. Segundo a definição tradicional encontrada em Morris e em Carnap, a sintaxe examina as relações entre os signos; a semântica estuda a relação dos signos com os objetos a que se referem; e a pragmática diz respeito à relação dos signos com seus usuários e como estes os interpretam e os empregam. Essa distinção e a definição de cada uma dessas áreas tiveram uma grande influência no desenvolvimento dos estudos sobre a linguagem no pensamento contemporâneo, não só na Filosofia, mas também na Lingüística e na Teoria da Comunicação.
A sintaxe e a semântica receberam tradicionalmente mais atenção. A sintaxe estuda as relações entre os signos como unidades básicas no processo de formação de complexos como proposições abstração feita do significado desses signos. Caracteriza-se como uma ciência formal, definindo as regras de formação das proposições, enquanto entidades abstratas, a partir de combinações possíveis entre os signos. Isso pode ser ilustrado com um exemplo da sintaxe da língua portuguesa. A sentença “João fora lá corre” é uma combinação sintaticamente incorreta, uma vez que, de acordo com as regras da língua portuguesa, os diferentes signos lingüísticos utilizados na formação desta sentença não estão corretamente relacionados. O correto seria “João corre lá fora”. Em relação à Lógica Formal, importante o registro dos seguintes esclarecimentos:[36]
“À Lógica Formal interessa a dimensão sintática, isto é, aquela que diz respeito à relação do signo com outros signos, no que respeita a sua posição no discurso, como sujeito ou predicado, como membros de enunciados complexos alternativos ou conjuntivos, como antecedentes e conseqüentes nos enunciados hipotéticos (condicionais) etc.”
Por outro lado, a semântica estuda o significado dos signos lingüísticos, ou seja, seu modo de relação com os objetos que designam. Assim, por exemplo, “Júlio César concluiu a conquista da Gália em 51 a.C.”, é uma sentença dotada de significado, já que os signos que a compõem têm significado e estão corretamente articulados, referem-se a objetos no real e a sentença descreve adequadamente um fato histórico ocorrido, sendo verdadeira materialmente. A semântica diz respeito, portanto, ao conteúdo significativo dos signos. Pode-se dizer que, no caso das sentenças de uma determinada língua, a sintaxe é um pressuposto da semântica. Isto ocorre porque se os signos não estiverem corretamente articulados, a própria sentença não terá significado nem valor de verdade, não poderá descrever adequadamente fatos ocorridos e, portanto, não será nem verdadeira, nem falsa, mas sem sentido. Como, por exemplo, “51 Gália conquista concluiu Júlio César a.C.”, em que os mesmo signos da sentença anterior se encontram impropriamente articulados. O modo de relação entre os signos também altera o significado da sentença. Por exemplo, “João ama Maria” é diferente de “Maria ama João”, embora os signos em ambas as sentenças sejam rigorosamente os mesmos:[37]
“Se consideramos as formas preenchidas, isto é, interpretadas, então estaremos diante de formas sintáticas, preenchidas semanticamente, cujo sentido completo pressupõe a pragmática das situações. Se dizemos “a baleia é cetáceo de grande porte, vertebrado, mamífero e que vive no mar”, temos um conceito-sujeito (baleia) e um conceito predicado complexo (cetáceo…) formando uma proposição cujo conteúdo está determinado e que pertence à Zoologia Marinha. Como proposição que descreve a realidade, é passível de ser verdadeira ou falsa.”
A pragmática, por sua vez, diz respeito à linguagem em uso, em diferentes contextos, tal como utilizada por seus usuários para a comunicação. É, portanto, o domínio da variação e da heterogeneidade, devido à diversidade do uso e à multiplicidade de contextos, consistindo na nossa experiência concreta da linguagem, nos fenômenos lingüísticos com que efetivamente lidamos. Contudo, o estudo da linguagem parece pressupor a passagem deste nível concreto da experiência da linguagem para a semântica e a sintaxe, que envolvem níveis gradativamente maiores de generalização. Assim, a semântica faz abstração de variações de uso específicas e considera o significado dos termos independentemente dos usos. A sintaxe faz abstração do significado e considera apenas as classes ou categorias de signos para examinar as regras formais segundo as quais se relacionam. Em relação ainda à pragmática, importantes as palavras que seguem:[38]
“Podemos considerar que há duas linhas de desenvolvimento da pragmática na filosofia da linguagem. A primeira a considera como uma extensão da semântica, isto é, a pragmática trataria especificamente do que Yehoshua Bar-Hillel chamou dedêixis ou expressões indiciais. Para ter significado, essas expressões dependem do contexto, sem o que não podem ter a sua referência determinada. Por exemplo, “Ele veio ontem aqui”. A compreensão dessa sentença é impossível sem a determinação da referência das palavras “ele”, “ontem”, “aqui”, o que só pode ser feito levando-se em conta o contexto específico em que a sentença foi utilizada. Pronomes pessoais, demonstrativos, advérbios de tempo e de lugar, seriam tipicamente dêiticos ou expressões indiciais. Nessa acepção a pragmática consideraria tanto a contribuição dessas expressões lingüísticas quanto a necessidade de interpretá-las de acordo com o contexto para determinar o significado das sentenças em que são empregadas. Posteriormente o papel do contexto na constituição do significado será ampliado, estendendo-se a outras expressões da linguagem. Outra possibilidade de compreender a pragmática consiste em considerar o significado como determinado pelo uso, mesmo que originariamente os autores que formularam essas concepções não tenham utilizado este termo em relação às suas propostas. Essas concepções acrescentam à consideração do contexto a idéia de que a linguagem é uma forma de ação e não de descrição do real.”
Observemos que as dimensões semântica e pragmática do discurso referem-se, respectivamente, à relação dos signos com a realidade a que se referem, buscando-se seu significado material (conteúdo significativo) e à relação das palavras com seus usuários, buscando-se sua utilidade ou seu sentido pragmático: [39]
“A linguagem, nestas dimensões, como semântica e pragmática do discurso, não é objeto específico da Lógica Formal. Isto precisamente porque, naquelas hipóteses, ela está vinculada ao mundo da realidade e da experiência circunstanciada daqueles que praticam o discurso. Esta é uma questão importante para avaliar, por exemplo, o discurso jurídico, uma vez que esse discurso deve se ajustar, para ter eficácia e eficiência, às circunstâncias dos fatos ou das pretensões em litígio.A Teoria da Argumentação, como teoria do discurso prático e não do discurso teórico, é que dá conta do discurso ético. Entretanto, como iremos ver, essa teoria do discurso prático, embora se refira à vontade (decisão) dos agentes envolvidos, não prescinde da estrutura formal do pensamento, destacando a importância da Lógica Formal para o entendimento dessa teoria e para aspráticas discursivas do mundo moral, dentre as quais encontra-se o direito.” (grifos nossos)
É preciso, de outro modo, tomar cuidado em não entender cada dimensão acima referida como algo autárquico, como se fosse possível uma dimensão separada da outra. Na verdade, um ato de fala pressupõe sempre, de modo integrado e orgânico, as três dimensões, a sintaxe, a semântica e a pragmática, que só podem ser destacadas de forma analítica, de forma abstrata, para efeitos de estudos e pesquisas. Para os nossos propósitos, o discurso constitucional permite a leitura semiótica, por meio da qual conceitos termos, juízos, proposições, raciocínios e argumentos podem ser tomados como formas sintáticas vazias, desprovidas de conteúdo e submetidas a perspectivas lógico-formais diversas, de acordo ou não com os princípios da Lógica Clássica (Identidade, Não-Contradição, Terceiro Excluído), tal como se apresenta a Lógica Formal na atualidade. As dimensões semânticas e pragmáticas do discurso constitucional, assimiladas pelas mais diversas Lógicas Matérias, estarão, grosso modo, vinculadas a problemáticas hermenêuticas e decisórias que apontam para a necessidade de compatibilização entre a normatividade constitucional e a realidade mesma, a exigir soluções voltadas à afirmação do justo constitucional que, entendemos, encontra na atualidade forte relação com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
[2] “Não que eu repute de somenos importância o papel da Lógica Jurídica formal, pois, com a consideração da norma jurídica como um bem ou objeto cultural de suporta ideal (uma proposição normativa, graças à qual se fixa e se comunica um dever ser de conduta) eo ipsose reconhece a necessidade de estudar-se a forma ou a estrutura lógica do direito, de per si, como um de seus aspectos fundamentais: o que me parece inadmissível é tão-somente julgar que a Lógica Jurídica se exaura na pesquisa de seus elementos lógico-linguísticos”. (Miguel Reale, op. cit., p. 67)
[3] A palavra “ideologia” apresenta uma gama variada de sentidos. Por hora, definamos “ideologia” como um sistema de idéias (crenças, tradições, princípios, mitos...) interdependentes, sustentadas por grupos sociais de quaisquer naturezas ou dimensões, as quais refletem, racionalizam e defendem interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos, econômicos e outros. Neste sentido, a textualidade constitucional não está alheia a estes fatores, tanto em relação à produção dos conceitos, normas e argumentos constitucionais quanto às maneiras como o discurso constitucional é interpretado e aplicado.
[4] “A palavra lógica provém de lógos, do grego. A tradução da referida palavra não é isenta de ambigüidades. Tampouco, entre os gregos, o uso da palavra se resumiu a um único sentido, em sua filosofia e em sua literatura, pois o uso técnico e preciso do termo é de difícil precisão na história da cultura helênica. A enorme variação dos sentidos delógos permite identificarem-se diversas formas de se conceber seu sentido, a saber: em Heráclito, lógos se assemelha a algo que dá origem ao universo, uma espécie de força reprodutora que participa da formação do universo; em Platão, logos significa parte do processo de ascensãoem direção ao verdadeiro conhecimento das Idéias; em Aristóteles, lógos significa ou simplesmente razão ou reta razão (órthos logos), relacionando-se também ao poder de expressão da linguagem; entre os estóicos, lógos se confunde com a origem da criação, e até mesmo com o próprio Deus, que de tudo é princípio”. (Eduardo C.B. Bitar, Lógica jurídica: uma perspectiva material e pragmática do raciocínio jurídicoinTemas de Filosofia do Direito, p. 133 e seguintes)
[5] Em sentido contrário: “Apesar de se reconhecer grande importância às obras lógicas de Aristóteles, compiladas sob o nome de Órganon, e de seu trabalho sistematizador e científicos da apresentação dos problemas lógicos, não se pode conferir a este filósofo nem a criação da ciência lógica (que ele chamava de analítica –Analytica priora;Analytica Posteriora, nem a responsabilidade pela atribuição do nome lógica a esta ciência (que é Tarefa pós-aristotélica), nem propriamente a criação do termo lógica (que é da tradição grega pré-aristotélica”. (Eduardo C.B. Bittar, ob. cit., p. 137)
[6] “Quando os escritos de Aristóteles foram reunidos pelos seus alunos depois da sua morte em 322 a.C., uma série dos seus tratados sobre o raciocínio foi agrupada e a colecção acabou por se chamarOrganon, ou instrumento da ciência. A palavra ‘lógica’ só adquiriu o seu sentido moderno 500 anos mais tarde quando foi usada por Alexandre de Afrodisia”. ( William Kneale e Martha Kneale, O desenvolvimento da lógica, p. 25 ).
[7] “Lógica – Seria a ciência da razão (lógos), se tal ciência fosse possível. Não o sendo, é o estudo dos raciocínios e, especialmente, das suas condições formais de validade. Ela aparece, cada vez mais, como uma parte da matemática, o que não autoriza os filósofos a prescindir dela.” (André Comte-Sponville,Dicionário filosófico, p. 353). Nesta esteira, apreciamos a definição de André Franco Montoro, para quem a Lógica “é o estudo da razão, como instrumento de aquisição e progresso de nossos conhecimentos. Ou, simplesmente, é o estudo do raciocínio e de seus elementos”. (Estudos de filosofia do direito, p. 127).
[8] Entendemos que a Lógica Clássica constitui um campo fantástico de estudo, permanecendo válida em seu particular domínio de aplicações, não precisando, pelo menos por enquanto, ser substituída por qualquer outro sistema., a ser de grande utilidade em nosso trabalho para as análises concernentes aos conceitos, juízos e raciocínios constitucionais.
[9] Um dos responsáveis por mudanças cruciais na Lógica foi George Boole. Em sua obra The mathematical analysis of logic (1847) forneceu uma concepção clara de formalismo lógico, tendo-a desenvolvida de maneira exemplar. Boole percebeu que poderia ser construída uma álgebra de objetos que não fossem números, no sentido vulgar, e que tal álgebra, sob a forma de um cálculo abstrato, seria capaz de ter várias interpretações. O que chamou a atenção na obra foi a clara descrição do que seria a essência do cálculo, isto é, o formalismo, o procedimento, conforme o próprio George Boole descrevia ao observar que a validade não depende da interpretação dos símbolos mas sim da exclusiva combinação dos mesmos. (V. O desenvolvimento da lógica, pp. 409-425)
[12] Parece-nos que a própria Lógica Jurídica acaba por sofrer o influxo desta pluralização, constituindo-se em segmento fundamental do saber jurídico que congrega, presentemente, múltiplas possibilidades de tratamento lógico de questões jurídicas por meio das mais diversas Lógicas existentes, apresentando caráter formal/material ou, citando outro par a ser explorado adiante, analítico/dialético.
[14] “Na Lógica (assim como em muitas outras disciplinas que sofreram transformações mais ou menos radicais), é ususal considerar o estádio anterior a certos desenvolvimentos como tradicional, ou clássico, e chamar moderno ao estádio posterior a tais desenvolvimentos. Os estóicos, p. ex. consideravam clássica a Lógica de Aristóteles; a deles mesmos seria moderna. Até mais ou menos a metade da Idade Média, os lógicos estudavam alguns escritos de Aristóteles (Categorias eDe interpretatione) e de autores que o acompanhassem (como Porfírio e Boetius). A Lógica desses escritos passou a ser posteriormente conhecida como Lógica vetus (Lógica antiga). Quando os outros quatro livros do Organon de Aristóteles passaram a circular na Europa ocidental, o conteúdo deles foi indicado com o nome de Lógica nova. Mais tarde, no final do século XII e no século XIII, vários estudiosos realizaram pesquisas lógico-semânticas originais. A fim de distinguir as idéias aristotélicas e as idéias medievais, a “vetus” e a “nova” se fundiram na Lógicaantiqua; e nasceu a moderna, isto é, a Lógica até então desenvolvida.” (Leonidas Hegenberg,Dicionário de lógica, pp. 120 e 121)
[16] Eduardo Bittar,Lógica jurídica: uma perspectiva material e pragmática do raciocínio jurídicoin Temas de Filosofia do Direito, pp. 157 e 158..
[18] “Em seu vocabulário incluem-se apenas expressões e termos tais quais: rigor; purismo; verdade; certeza; determinismo; dedução; perfeição; pertinência; proposição; deôntico; entre outros.” (Eduardo Bittar, ob. cit., p. 156)
[27] O vocábulo “analítico” nesta citação é compreendido de acordo com a distinção kantiana entre juízos analíticos e sintéticos, a serem analisados em momento específico.
[28] “Em seu vocabulário incluem-se expressões e termos tais como: sentido; dialética; debate; argumentação; provável; razoável; plausível; consenso; tópica; discurso; justo; prudente; entre outros.” (Eduardo Bittar, ob. cit., p. 157.
[30] A palavra “argumento”, no contexto, refere-se à argumentação de caráter lógico-material, embora também seja empregada no âmbito da Lógica Formal, designando a inferência dedutiva, de caráter demonstrativo.
[32] Para Henri Lefebvre, por exemplo, embora reconheça certa funcionalidade à Lógica Formal, tende, em certo sentido, a condená-la, ao superá-la pela Dialética. Neste sentido: "A lógica formal, lógica da forma, é assim a lógica da ‘abstração’. Quando nosso pensamento, após essa redução provisória do conteúdo, retorna a ele para reapreendê-lo, então a lógica formal se revela insuficiente. É preciso substituí-la por uma lógica concreta, uma lógica do conteúdo, da qual a lógica formal é apenas um elemento, um esboço válido em seu plano formal, mas aproximativo e incompleto. Já que o conteúdo é feito da interação de elementos opostos, como o sujeito e o objeto, o exame de tais interações é chamado por definição de dialética; por conseguinte, a lógica concreta ou lógica do conteúdo será a lógica dialética. De modo geral, a ‘forma’ do pensamento é diferente do conteúdo, embora ligada a ele. Assim, o sujeito é distinto do objeto, mas não pode ser separado dele. A forma é sempre forma de um conteúdo, mas o conteúdo determina a forma" (Lógica Formal / Lógica Dialética, pp. 131-136).
[34] A base para as nossas observações é a obraFundamentos da teoria dos signos, de Charles Morris, publicada pela primeira vez no Brasil pela Livraria Eldorado Tijuca em conjunto com a Edusp, no ano de 1976. É desta primeira edição que extrairemos as noções seguintes. No caso, a “Ciência dos signos” (Semiótica) volta-se para o signo como entidade teórica básica. Imaginemos a seguinte situação: X caminha pelas ruas da cidade. Enquanto isso, observacartazes, placas, sinais de trânsito. X também ouve falas de outras pessoas, escuta músicas que tocam em um rádio, lê anúncios e notícias em um jornal. Cada um desses “pontos significativos” dizem alguma coisa para X, ou seja, representam algo. X está lidando com um universo de signos. Qualquer objeto, som, palavra, capaz de representar uma outra coisa é um signo. Esses signos podem ser verbais (as palavras) e não verbais (as imagens, fotos, desenhos). Para que um signo exista é preciso que haja um referente (a coisa representada), um significado (conceito) e um significante (a representação física do signo, em forma sonora, gráfica ou visual).
Esse universo sígnico é a ferramenta mais importante criada pelos homens a fim de dar conta das inúmeras e complexas atividades que os envolvem enquanto seres sociais. Aliás, a própria idéia de viver em sociedade só se tornou possível após essa criação. Com os signos, os homens se comunicam, trocam mensagens, que nada mais são que signos organizados e estruturados com determinada intencionalidade. É claro que os signos não são usados unicamente para a comunicação. Há uma infinidade de usos para os mesmos, dependendo da intenção de seus usuários. Refletindo sobre os signos, Morris disse que o homem se destaca de outros animais exatamente pela elaborada complexidade de seu sistema sígnico.
[35] A edição por nós utilizada foi publicada em 1976 pela livraria Eldorado Tijuca e Editora da Universidade de São Paulo. Esta obra, clássica, apresenta os fundamentos da Teoria dos Signos, sendo referência maior para o exercício transdisciplinar que estamos propondo em nosso trabalho.
(Trecho de minha tese de doutorado defendida no ano de 2007 - Faculdade de Direito - USP)
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