CONSIDERAÇÕES ACERCA DA REPÚBLICA DA AGORIDADE



CONSIDERAÇÕES ACERCA DA REPÚBLICA DA AGORIDADE

Luís Rodolfo Ararigboia de Souza Dantas

Para Luiz Gonzaga Silva Neto, poeta maior



Homero, expulso da cidade retratada no diálogo “A República” (livro X), de Platão, do exílio retorna nesta exposição não na condição de poeta, mas de cidadão-poema que propõe, no lugar da politéia socrático-platônica - que é na verdade forma de organização política anti-republicana e proto-totalitária - a “transtopia” (lugar além e possível) da “República da Agoridade”, civitas não de poetas mas de poemas, em que todo sujeito-cidadão sabe que vive no aqui e no agora (hic et nunc), reconhecendo-se evanescente para fazer primar a lira – heraclitiana poesia – e não o artista.  
Neste sentido, o sujeito-cidadão é a própria obra, poema-de-si, em condição livre e emancipada de qualquer submissão, posto não ser a República que forja o sujeito, mas o sujeito que fundamenta este modelo de República que ora esboçamos. Deste modo, tornam-se secundárias as definições clássicas e atuais de República, tanto em suas dimensões quantitativas quanto qualitativas, pelo fato de não se adequarem à política que aqui conjecturamos: uma política pelo avesso.
Expliquemos: o cidadão-poema – não Homero, nem mero poema, não ego, mas ergon - obra em devir permanente, desvencilhada dos atributos fixados em fórmulas de alta-voltagem retórica porém alheias à condição do indivíduo paradoxalmente tornado outro, embora si mesmo, é sujeito transformado após crucial ascese em que expressões tais como “o poder a todos pertence” conotam a ele acepções de um conjunto de palavras desprovidas de vivência concreta. 
De fato, constata que o poder não pertence a todos; que o poder não é exercido em nome de todos; que o poder não é voltado à afirmação do bem comum; o poder nada é. Insignificante infinitivo ou estéril substantivo, o signo “poder” somente ganha vida ao ser modalizado pelo cidadão-poema que diz: eu posso. Deste modo, este cidadão se inscreve – e se escreve – na política (em seu curso e em seu discurso).
Rechaça tal cidadão as proposições universais como as que categoricamente afirmam que “todo poder emana do povo”. Não emana, pois na idealidade e no imaginário, não se realiza, é ineficaz. Ganha existência quando se singulariza, neste sujeito-cidadão que não será contado como apenas mais um, mas sim como um a mais, elemento imprescindível de uma noção de povo redefinida a partir da singularidade daqueles que são somados um a um, estes que contribuem para instaurar a poemocracia, forma de governo antagônica a toda e qualquer acepção despersonalizada de povo e de poder. O cidadão-poema sabe que o poder não lhe pertence. 
Por sinal, não visa autoridade nem prestígio. Subverte a Lei para cumpri-la, isto é, para aceitá-la como necessária à afirmação da paz e da justiça. Na República da Agoridade, o cidadão é momento, percorre o chão do presente, é livre para decidir que a Lei existe para o bem comum, pois não é mais escravo de si-mesmo (nem de qualquer outro). O cidadão-poema, no entanto, apenas atingirá esta condição ao responder, bem dizendo, três perguntas fundamentais: 1) Quem sou eu?; 2) De onde eu vim?; 3) Para onde eu vou? 
O cidadão-poema é aquele que se torna próximo ao que é estranho nele mesmo (sua sombra, seu sintoma, seu tormento) para então desenvolver a capacidade de efetivamente lidar democraticamente com a diferenças, outrando-se. Desta maneira, a res publica é antes o que nele brota de sua subjetividade e o interesse público é seu interesse e também do outro tornado profundamente familiar. 
Nesta República, a Constituição que a estrutura não tem a vocação das fórmulas normativas perenes, mas é ordem aberta a transitoriedade do mundo e da vida, é campo fértil à conciliação dos contrários ou expressão cabal de efetivas possibilidades de diálogo e entendimento. A Constituição, por sinal, não resulta de uma práxis política, mas de uma poíesis democrática, pela qual o cidadão-poema enfim recita uma outra liberdade republicana . 

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